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Audiência Pública como forma de participação da sociedade civil no controle da gestão pública. Public Hearing as a Form of Civil Society Participation in Public Management Control.

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Por Alfredo Monteiro Lins de Albuquerque e  Miguel Horvath Junior

 

RESUMO

O presente artigo trata da democracia participativa, observando a audiência pública como mecanismo de atuação popular direta, objetivando a promoção do controle dos atos de gestão pública por parte da sociedade civil. Inicialmente, busca-se identificar como o direito positivo brasileiro trata da evolução do Estado Democrático de Direito, consagrando o direito fundamental à boa atuação da Administração Pública por meio da participação comunitária, representada aqui pela realização de audiências públicas, com o fito de aperfeiçoar a legitimidade das decisões proferidas pelo Poder Público. O presente estudo tem por objetivo aclarar a importância da audiência pública como mecanismo institucional utilizado pela Administração Pública, destinado à efetivação de direitos, não somente individuais, mas sociais, coletivos e difusos, e, portanto, passível de controle, ensejando sedimentar no plano prático uma maior participação social nas decisões referentes às políticas públicas. E, assim, desenvolvendo canais voltados para a integração direta dos particulares, atuando individualmente ou por meio de entidades representativas, a Administração Pública consagra o direito fundamental da boa administração observando os princípios insculpidos no art. 37, caput, da Carta Política de 1988, além de primar pelas necessidades de toda a coletividade.

Palavras – chave: Participação Social; Democracia Participativa. Participação Comunitária. Audiência Pública, Administração Pública; Controle dos Atos Administrativos.

ABSTRACT

This article deals with participatory democracy, observing the public hearing as a mechanism for direct popular action, aiming at promoting the control of public management acts by civil society. Initially, we seek to identify how Brazilian law deals with the evolution of the Democratic Rule of Law, enshrining the fundamental right to good performance by the Public Administration through community participation represented here by the holding of public hearings, with the aim of improving the legitimacy of the decisions rendered by the Public Power. The present study seeks to clarify the importance of the public hearing as an institutional mechanism used by the Public Administration aimed at the realization of rights, not only individual but social, collective and diffuse and therefore subject to control giving rise to solidity in the practical plan, thus encouraging greater social participation in public policy decisions. And, thus, developing channels aimed at the direct integration of individuals, acting individually or through representative entities, the Public Administration promotes the fundamental right of good administration observing the principles inscribed in art. 37, caput, of the 1988 Political Letter in addition to focusing on the needs of the entire community.

Keywords: Social Participation; Participatory Democracy. Community Participation. Public Hearing, Public Administration; Control of Administrative Acts.

 

1 INTRODUÇÃO

Sob a influência de novas formas de gestão pública que emergem na atualidade, deparamo-nos com inúmeros desafios relativos à efetividade dos mecanismos de controle postos à diposição dos administrados para abraçar esta finalidade.

A estrita observância da legalidade da norma positivada deve sempre ser garantida de modo a preservar a total transparência de todo e qualquer ato praticado por aqueles que devem gerir a coisa pública, seja na atividade meio, seja na atividade fim.

O controle dos atos estatais constitui um dos pressupostos do regime democrático, e, por este motivo, encontra-se diretamente conectado com a concretização do direito fundamental à boa administração pública, sobretudo no que diz respeito à participação social nos atos de gestão do administrador.

Tal controle está ligado ao princípio da indisponibilidade do interesse público, inexistindo qualquer possibilidade de abertura de margem para a discricionariedade, já que todos, sem exceção, estão sujeitos ao controle na sua acepção mais ampla.

Karl Larenz ensina que a configuração do Estado de direito objetiva impedir que “aqueles a quem eventualmente é confiado o exercício do poder estatal o utilizm de um modo distinto do sentido que impõe o Direito”.1

No seio do Estado Democrático de Direito, percebe-se na fase denominada pós-positivismo, a importância nuclear atribuída aos princípios, os quais detém força normativa reconhecida pelo ordenamento jurídico.

Celso Antonio Bandeira de Mello conceitua princípio como sendo o “mandamento nucelar de um determinado sistema, verdadeiro o alicerce dele, disposição fundamental quese irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico”. 2

Os princípios elencados no artigo 37, caput, da Constituição Federal, a saber, legalidade, impessolidade, moralidade, publicidade e eficiência, relacionam-se diretamente com a necessidade de controle dos atos estatais.

Desta forma, ao relacionar a importância dos mecanismos de controle com a democracia, torna-se possível afirmar categoricamente que inexiste democracia sem controle. Nos regimos democráticos existentes, todo e qualquer agente público, detentor de uma parcela do poder estatal, tem a atividade que exerce constantemente sujeita a diversos tipos de controle.
Além disso, a própria organização dos estados democráticos preveem mecanismos pelos quais a atividade estatal é verificadam limitando-se, assim, a atuação dos detentores do poder.

Dessarte, a participação popular, inserida no contexto Constitucional vigente após a Constituinte, traduz-se como desdobramento do exercício da democracia participativa, na qual o particular protagoniza de maneira mais ativa seu papel de titular do poder e destinatário precípuo da atuação estatal.

É, pois, justamente, nas formas participativas de democracia que os institutos de representação política aumentam os preceitos democráticos, tornando os cidadãos efetivos protagonistas políticos, aproximando-os das estruturas governamentais. O controle pressupõe diretamente a participação cidadã, seja qual for de suas modalidades, estabelecendo um ambiente participativo, interativo e democrático.

Assim, o controle social, para se justificar a finalidade, deve ser o mais amplo possível, conferindo a máxima liberade ao particular, já que o parágrafo único, do artigo 1o, da Constituição Federal, é cristalino ao referir-se o povo como verdadeiro e único detentor legítimo do poder, sendo os gestores públicos apenas administradores da coisa pública por meio de um processo de representatividade.

É necessário, pois, aperfeiçoar no seio do ordenamento jurídico pátrio o plexo de mecanismos de controle existentes, de modo a possibilitar a fiscalização das atividades do gestor público que, por sua vez, jamais pode se desvincular da estrita observância à mais absoluta transparência, ao dever de uma boa administração e ao respeito à democracia participativa.

Este tem sido um dos maiores desafios a serem enfrentados não somente pelo legislador na elaboração e aperfeiçoamento dos mecanismos, mas, principalmente, no que diz respeito à sua efetividade prática, seja de forma direta pelos cidadãos ou por meio de organizações da sociedade civil existentes.

Colocar à disposição do cidadão as ferramentas essenciais e necessárias, definindo de modo mais eficaz sua forma de agir enquanto “controlador” do modus operandi do gestor público, se traduz em uma real materialização do conceito de Estado Democrático de Direito.

Nesse diapasão, a audiência pública surge, assim, como mecanismo institucional voltado ao controle dos atos de gestão pública, e como método de legitimação da atuação estatal, possibilitando discussões e debates, tanto por pessoas físicas quanto por organizações da sociedade civil, interessadas em salvaguardar seus direitos como cidadãos.

Com tranquilidade, pode-se afirmar que o instituto em estudo cria um relevante espaço para manifestação de opiniões e aspirações da população, e evidencia que a Administração produziu a melhor decisão possível, tomando como base o diálogo com os representados.

Segundo lição de Moreira Neto:

(…) audiência pública é um processo administrativo de participação aberto a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando ao aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da Administração Pública, criado por lei, que lhe preceitua a forma e a eficácia vinculatória, pela qual os administrados exercem o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a decisões de maior aceitação consensual.3

Assim, na busca pelo aperfeiçoamento da legitimidade das decisões do Poder Público, a democracia passaria a ser considerada não apenas como uma técnica formal de escolha dos representantes, mas sim a escolha da maneira pela qual gostaríamos de ser governados.

Percebeu-se nos últimos anos uma evolução no interesse por parte do cidadão em participar de forma mais ativa dos atos de gestão praticados por aqueles que administram a coisa pública, isso, sem dúvida, se traduz em uma mutação na construção “sociocultural política” do nosso País, e para tal, deve o sistema democrático aperfeiçoar cada vez mais os mecanismos de aproximação do povo com o Poder, que, reiteramos, a ele pertence.

Em compasso com a célere evolução tecnológica e com os novos desafios sociais enfrentados pela sociedade na atualidade, os institutos não podem comportar limitações, e devem ser pensados para ampliar esse controle, proporcionando uma melhor definição das diretrizes que comporão este tão valioso mecanismo de fiscalização.

Dinamizar e expandir o controle social dos atos públicos trará uma segurança jurídica efetiva na maneira de gerir a coisa pública, pois vivemos uma espécie de redemocratização, especialmente no que se refere ao interesse do cidadão brasileiro pela política, e, consequentemente, pela maneira de gerir a res pública.4

Como se verá nas linhas seguintes, a democracia participativa estabelecida pela Constituição Federal de 1988 permite uma maior participação popular na construução de uma sociedade mais justa e equitativa pela disponibilização de instrumentos aptos a fazer ouvir a voz dos cidadãos em todos os seus anseios e necessidades.

A partir do momento que decisões tomadas pelo Estado passem pelo crivo da população, destinatária final dos atos administrativos, perpetua-se não apenas as premissas do Estado Democrático de Direito, mas igualmente consagra-se valores que o Constituinte primou dogmatizar quando da elaboração da Constituição Federal de 1988.

E dentre esses princípios de suma importância, tais quais, da legalidade, publicidade, impessoalidade, moralidade e eficiência, inarredavelmente, indispensável destacar que o controle dos atos de gestão confere ao cidadão titularidade de proteção por parte do Estado, cuja meta permanente se realiza pelo cumprimento do princípio da dignidade da pessoa humana.

O intuito deste artigo é justamente aclarar a importância da audiência pública como mecanismo institucional utilizado pela Administração Pública, destinado à efetivação de direitos fundamentais, não somente individuais, mas igualmente sociais, coletivos e difusos, e, portanto, passível de controle, ensejando sedimentar no plano prático uma maior participação da sociedade nas decisões referentes às políticas públicas e seus impactos.

2 DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA ESTABELECIDA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A EFETIVA PARTICIPAÇÃO POPULAR

Apesar da dificuldade de encontrar uma unanimidade acerca das nuances elementares da democracia, Norberto Bobbio indica a existência de uma definição mínima, caracterizando-a como “um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar decisões coletivas e com quais procedimentos”.5

E assim, a democracia estaria, portanto, essencialmente relacionada à formação e atuação do governo.

Em contrapartida, como corolário da noção clássica concebida por Abraham Lincoln de que é “o governo do povo, pelo povo e para o povo”, evidencia-se que a titularidade do poder estatal em um regime democrático é atribuída ao povo, originando-se a ideia de soberania popular.

Como decorrência disto, a partir da formulação do conceito de democracia, obtêm-se outra noção, a de legitimidade, idealizada por Diogo de Figueiredo Moreira Neto como “submissão do poder estatal à percepção das necessidades e dos interesses do grupo nacional que lhe dá existência”.6

Conforme assinala José Afonso da Silva, a democracia só pode ser entendida considerando-se o contexto histórico na qual se está inserida, pois resulta de um modelo de convivência social e de poder que determinada sociedade adota. Logo, não constitui um valor-fim, mas sim um valor-meio, entendido como um instrumento de realização de valores essenciais da convivência humana.

N’outro giro, Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta um conceito mais amplo de democracia, levando em consideração também os aspectos referentes a seu exercício, à sua forma de realização e aos resultados a serem alcançados. E assim discorre:

(…) dita expressão reporta-se nuclearmente a um sistema político fundado em princípios afirmadores da liberdade e de igualdade de todos os homens, e armado ao propósito de garantir que a condução da vida social se realize na conformidade de decisões afinadas com tais valores, tomadas pelo conjunto de seus membros, diretamente ou por meio de representantes seus livremente eleitos pelos cidadãos, os quais são havidos como titulares da soberania.

Canotilho assevera que a consagração constitucional da noção de democracia tem a finalidade de alçá-la a um autêntico princípio informador tanto do Estado quanto da sociedade. Aponta, ainda, que o sentido constitucional deste princípio é a democratização da democracia, isto é, a condução e a propagação do ideal democrático para adiante das fronteiras do território político.7

A doutrina pátria, afinada a estudos comparativos realizados acerca da democracia sob diferentes prismas, dedicou-se, por conseguinte, a classificá-la em três modalidades distintas, a saber, democracia indireta ou representativa, direta, semidireta, e também uma conhecida como participativa, constituindo esta última o objeto de estudo.

A democracia participativa traduz-se pela participação universal, abrangendo todas as formas e mecanismos disponíveis, que existem justamente para ampliar o campo de participação da sociedade nas decisões de âmbito político, bem como nos atos administrativos.

Na atualidade, a democracia participativa se solidifica pela presença de institutos de representação, ou seja, democracia indireta; pela participação direta do povo, com a utilização dos institutos do referendo, plebiscito e iniciativa popular; e por outros tantos outros meios possíveis e existentes dentro de uma esfera de contínua renovação e criação de novas formas de legitimar o poder, e também conferir à sociedade o efetivo papel de controle, fiscalização e tomada de decisões diante da atuação estatal na defesa de seus interesses.

A qualidade de participativa apenas se efetiva quando o cidadão pode apresentar propostas, debater questões, deliberar acerca delas, ou seja, alterar o curso de ações já estabelecidas pela Administração, elaborando ações alternativas para atingir o interesse da coletividade.

Dessarte, haverá, de fato, democracia participativa à medida que houver extensa participação do cidadão, decidindo, opinando, direta ou indiretamente, neste último caso, por meio de entidades de qual possa integrar frente a instituições das mais diversas composições e destinações.

É possível atestar a legitimidade da democracia participativa, cuja importância deferiu-lhe previsão no bojo da Constituição Federal de 1988, pela análise do texto político, onde em seu artigo 1º estatui tratar-se o Brasil de uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, qualificando-se como um Estado Democrático de Direito.

Em seu parágrafo primeiro, ensina que todo poder emana do povo e que esse poder será exercido por meio de representantes (democracia indireta ou representativa), e também de forma direta. O fundamento do sistema democrático se calca não apenas no voto, mas também pela participação popular direta e pelos meios e instrumentos constitucionais e infraconstitucionais.
Ademais, a Constituição Federal declara seus princípios fundamentais, e ratifica a soberania popular com suas nuances, objetivando assegurar o exercício de direitos sociais e individuais, a liberdade, e a justiça, como axiomas supremos de uma sociedade pluralista, firmada no espírito de conformidade social.

Ainda, cita de diversas formas contemporâneas de participação da sociedade nas atividades estatais, instituindo como paradigma a democracia participativa, assentindo e validando o sufrágio universal, incluindo institutos da democracia direta, tais quais, referendo, plebiscito e iniciativa popular, e proporcionando ainda outros tantos meios de participação e controle da sociedade, tanto nas decisões políticas, quanto nas atividades da Administração Pública.

Além disso, salienta-se, pela dicção do artigo 1º, da Carta Política de 1988, que um dos pilares da democracia é a cidadania, referendando seu papel como princípio fundamental da República, cujos objetivos recaem em:

Art. 3º […]
I – constituir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Nesta senda, a cidadania deve significar muito mais do que mera participação no processo eleitoral, devendo ser também legitimada por meio de mecanismos de expressão da vontade popular, buscando-se o efetivo desempenho da cidadania por parte da sociedade.

De acordo com o espírito da democracia participativa, o cidadão desenvolve um papel muito mais relevante que apenas de eleitor, devendo figurar ativamente como participante, fiscalizador e controlador da atividade estatal.

Em diversos aspectos, a Constituição Federal de 1988 inova, principalmente no que atine à gestão de políticas públicas, promovendo a descentralização político-administrativa, alterando regras centralizadoras, e redistribuindo competências entre o poder central, os poderes regionais e os poderes locais.

Indubitavelmente, o sistema democrático adotado pelo Brasil visou criar mecanismos diversos em complemento às instituições representativas tradicionais, incorporando na dinâmica política da sociedade civil – organizada em suas entidades e associações, um maior e mais efetivo controle social, além de atribuir uma dimensão mais efetiva à prática democrática.

Para a realização deste ideal, não há que se falar em restrição dos mecanismos de participação e de controle aos já exaustivamente tratados pela lei, e sim, abranger tantos outros, sejam de ordem constitucional ou infraconstitucional.

Mister se faz que para o exercício da democracia deva-se compreender toda e qualquer forma legal de controle pela sociedade no que concerne os atos administrativos, ou seja, todas as formas de imprimir mais legitimidade às decisões e aos atos da Administração Pública por meio de qualquer instrumento legal que garanta a participação popular.

Neste diapasão, a participação popular se insere de maneira cristalina no contexto constitucional com o advento da Constituição Federal de 1988, cujo teor discorre largamente acerca de interesses da sociedade civil, assumindo um viés democrático muito além da formalidade.

Verifica-se, pois, que a Carta Política criou institutos jurídicos relevantes destinados à concretização do espírito democrático, dentre os quais, destaca-se a possibilidade de participação da sociedade de forma direta no desenrolar das atividades estatais.

A necessidade de aprofundar as relações entre representantes e representados fez surgir uma maior abertura à participação popular, já que o sistema republicano nem sempre logra êxito em imprimir real legitimidade aos representantes eleitos pela sociedade.

Incapazes de adimplir com propostas formuladas em período eleitoral, destinadas ao desenvolvimento social e combate às desigualdades, a atuação dos representantes torna-se cada vez mais complexa, frustrando os anseios da sociedade que lhe franquiou o voto.

Assim, institutos oriundos da democracia direta surgem como uma ferramenta a auxiliar na legitimação do Estado, somando-se a participação do cidadão na definição dos nortes a serem perseguidos pela Administração Pública, além dos esforços engendrados pelos agentes públicos.

A noção de cidadania no Estado Social encontra abrigo no ideal de fazer com que o povo se torne parte principal do processo de seu próprio desenvolvimento e promoção, instituindo a ideia de participação.

Sedimenta-se, desta forma, a noção do cidadão auxiliador, participativo das decisões estatais e cooperante na gestão da coisa pública, transformando sua atuação numa as principais características da Administração Pública contemporânea.

Ao dedilhar sobre o tema, Maria Sylvia Zanela Di Pietro pondera ser a participação popular na Administração Pública “uma característica essencial do Estado de Direito Democrático, porque ela aproxima mais o particular da Administração, diminuindo ainda mais as barreiras entre o Estado e a sociedade.

Desta maneira, ao ser concebida como a possibilidade de intervenção direta ou indireta do cidadão na gestão da Administração Pública, tanto de caráter consultivo quanto deliberativo, a participação popular nos atos estatais é considerada um dos meios mais eficazes para a efetivação da democracia administrativa.

3 DAS AUDIÊNCIAS PÚBLICAS COMO FORMA DE CONTROLE POPULAR DOS ATOS DE GESTÃO PÚBLICA.

Com o advento do Estado Democrático de Direito, as atenções voltaram-se para o ato administrativo e para o seu devido processo, por se tratar do veículo de criação e exteriorização da vontade estatal, e neste contexto encontram-se inseridas as audiências públicas.

A utilização dos instrumentos de participação popular, em particular, das audiências públicas, tem avançado no sentido de contemplar o princípio democrático insculpido na Constituição Federal de 1988.

Trata-se, pois, de ferramenta proficiente de técnica social, almejando diminuir e/ou pormenorizar as controvérsias no domínio da sociedade civil e de tomada de decisões que sejam consensualmente acatadas.

A relevância que se atribui às audiências públicas justifica-se pela sustentação que ela confere às decisões tomadas, a partir do apoio popular, aos atos de decisão referentes à gestão pública.

A Lei 9.784/99, que regula o procedimento administrativo federal, determina que as audiências públicas deverão ser convocadas a critério discricionário do administrador público nos casos em que o assunto em análise importar à coletividade, e tiver reconhecida sua relevância e impacto frente ao interesse geral da sociedade.

O povo figura como parte interessada e ativa, detendo, dentre outros direitos: os processuais – produzir e oferecer provas; o de se controlar o que é produzido, assim como o direito de fazer alegações. O referido instituto viabiliza o debate tanto por pessoas físicas quanto por organizações da sociedade civil, e é, comumente, inserido no âmbito de um processo administrativo em vias de trâmite.

Em se tratando de um processo administrativo, admite-se que todos os princípios norteadores da atividade estatal estejam contidos nas audiências públicas, como e.g., o devido processo legal, o princípio da impessoalidade – entendido aqui como imparcialidade do órgão que irá decidir, da moralidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, da publicidade, da transparência, da ampla defesa e do contraditório.

Moreira Neto conceitua a audiência pública como sendo um instituto de participação administrativa aberto a indivíduos e a grupos sociais determinados, visando o aperfeiçoamento da legitimidade das decisões da Administração Pública, formalmente disciplinada em lei, que lhe preceitua a forma e a eficácia vinculatória, pela qual os administrados exercem o direito de expor tendências, preferências e opções que possam conduzir o Poder Público a decisões de maior aceitação consensual.8

É justamente por intermédio dessas audiências públicas que se garante um direito fundamental aos cidadãos, ou seja, o direito de ser ouvido, de poder opinar de modo eficaz, especificamente a respeito de assuntos que interessam à coletividade.

A própria Constituição Federal de 1988 aponta o caminho de colaboração a ser concretizada entre a Administração Pública e o particular.

Apenas a título de ilustração, destaca-se o artigo 29, X, da Carta Política, no qual se admite “a cooperação das associações representativas no planejamento municipal”, concretizando-se, e.g., na concepção do plano diretor.

Ainda, no artigo 194, parágrafo único, VII, possibilita uma gestão democrática e descentralizada da seguridade social, “com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados”.

O instituto da audiência pública teve origem no Direito Anglo-Saxão, no qual denomina-se public hearing. Tanto no Direito inglês quanto no Direito americano, a audiência pública é considerada como parte da garantia clássica de audiência prévia, componente do devido processo legal em sentido material. Especificamente no direito inglês, tal instituto é calcado no princípio da justiça natural, mais precisamente no princípio da ampla defesa enquanto que no Direito Americano, o fundamento decorre da garantia do due process of law.

Dessarte, as audiências públicas constituem canais de participação direta do cidadão nos planos administrativos e legislativos, em todos os níveis e esferas governamentais, abertos a todos, individualmente considerados ou organizados em associações, pelos quais se exercem os direitos de informação e de manifestação de preferências, orientações e de opções populares acerca de assuntos determinados, com o fito de informar e direcionar os órgãos públicos na tomada de decisões políticas e administrativas, vinculadas ou não aos seus resultados, conforme a norma que os discipline.

Esses planos, para serem devidamente efetivados, requerem uma verdadeira ambiência democrática, preferencialmente deliberativa, haja vista que esta permite incluir a discussão acerca da qualidade dos processos decisórios, e da construção das predileções dos cidadãos que deles participam, intentando, em última instância, à democratização das políticas públicas.

A novel, leciona Moreira Neto que o acolhimento da audiência pública se encontra atrelada ao conceito formal do devido processo legal, tomando como ponto de partida a necessária existência de um direito individual que qualquer pessoa tem de ser ouvida, em se tratando de matéria em que esteja em jogo seu interesse, seja ele concreto ou abstrato.

O atrelamento da audiência pública ao devido processo legal se verifica não apenas pelo fato de envolver a existência de um direito individual a ser tutelado, mas também de direitos difusos e coletivos os quais, em um panorama mais alargado, autoriza que todos os cidadãos sejam ouvidos quando seus interesses em determinadas matérias estiverem envolvidos.

Desta maneira, procedente do devido processo legal realizado no âmbito individual, a audiência pública, praticada no domínio da esfera de interesses públicos, deve ser alcançada toda vez que for necessário emitir normas jurídicas administrativas e legislativas, aprovar projetos de suma importância ou elevado impacto sobre o meio ambiente ou a comunidade, ou, ainda, controlar serviços privatizados.

Insta salientar, ainda, o caráter pedagógico dessas audiências públicas, uma vez que se estabelece uma verdadeira oportunidade de esclarecimento, conscientização e educação da população a respeito das diretrizes e políticas públicas.

Contudo, pontua-se que para ser um instrumento útil de integração entre o Estado e seus administrados, tudo quanto for discutido no âmbito da audiência deve ser levado em consideração pelo órgão administrativo para fins de apreciação, de modo que, assim sendo, os cidadãos avalizem os provimentos exarados, conferindo maior eficácia a essas decisões administrativas, além de imprimir maior legitimidade ao poder estatal.

Ressalta-se que a gênese do instituto da audiência pública partiu de fundamentos internacionais que tratam igualmente da democracia participativa, como por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civil e Políticos e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, todos esses tratados internacionais recepcionados pelo ordenamento jurídico pátrio.

4 CONCLUSÃO

Conclui-se com a pesquisa aqui apresentada que a o estreitamento dos laços da sociedade civil com o Estado, a ser atingido, sobretudo, por meio do aprimoramento dos vínculos já existentes por esse com os cidadãos, forçosamente inclina-se a tornar mais efetiva a finalidade precípua da atuação da Administração Pública, a saber, o agir pautado no interesse da coletividade.

Examinou-se a necessidade de disponibilizar cada vez mais ferramentas de controle social, fomentando a participação popular nas tomadas de decisão administrativas, nas prestações de contas, nas audiências públicas, ou seja, em todas as situações que lhes tocarem os interesses, seja como indivíduo, seja como coletividade.

Nesta senda, a audiência pública torna-se um importante instrumento em auxílio à sociedade cujos interesses indisponíveis revelam a necessidade de coincidir, o tanto quanto possível, a realidade social com as decisões políticas e seus resultados, expandindo-se, desta maneira, o princípio da soberania popular.

A realização de audiências públicas, no seio de processos administrativos, favorece a legitimação do poder, inerente ao Estado Democrático de Direito, o qual, por sua vez, encontra-se relacionado com a aplicação dos princípios elencados no artigo 37, caput, da Constituição Federal.

Primando pela consecução do ideal democrático participativo, a audiência pública tem por propósito tornar efetivo o direito do cidadão de defender seus interesses, opinar sobre assuntos afetos à sua comunidade, e ser ouvido, sempre que o assunto em pauta versar sobre direitos difusos e coletivos.

Além disso, a partir do momento que o particular detém acesso à informação, princípio previsto no art. 5º, XXXIII, da Constituição Federativa, referente aos atos de gestão e de governança pública, instaura-se um ambiente de maior confiabilidade e moralidade no seio da sociedade, impulsionando seu desenvolvimento de forma exponencial.

Por fim, a realização de audiências públicas possibilita a observância das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, integrantes do dispositivo constitucional que embasa o processo administrativo, fundamentado pelo due processo f law.

 

[1] LARENZ, Karl. Derecho Justo. Madrid: Civitas, 1985, p. 151

[2] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. 2015. pg.54

[3] MOREIRA NETO, Diogo Figueiredo. 1997. p.14.

[4] O Novo Dicionário da Língua Portuguesa – o Dicionário Aurélio – indica a filiação etimológica do termo República com o latim res pública, isto é, “coisa pública”.

[5] O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 5.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. p.18.

[6] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito da participação política: legislativa, administrativa, judicial: fundamentos e técnicas constitucionais da legitimidade. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p.65

[7] CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5ed. 2, reimp. Coimbra: Almedina, 1992. p. 421.

[8] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

 

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Alfredo Monteiro Lins de Albuquerque é mestrando em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Constitucional pela Escola Superior de Direito Constitucional de São Paulo. Advogado. Chefe da Representação do Governo do Estado do Amazonas em São Paulo.

Miguel Horvath Junior é doutor e Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Procurador Federal da AGU. Professor Universitário.

 

* A opinião manifestada é de responsabilidade das autoras e não é, necessariamente, a opinião do IES.

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