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Desafios do Compliance no Universo da Saúde

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Por Lays Pereira Fernandes da Silva

 

A área de Compliance desempenha um papel fundamental no combate à corrupção, sendo sua importância cada vez mais evidente desde a promulgação da Lei 12.846/2013. Apesar de ser uma área já consolidada, novos temas têm ganhado destaque.

Embora ainda não exista uma lei consolidada que estabeleça explicitamente que todas as empresas devem possuir um programa de Compliance, focado não apenas nas relações governamentais, mas também nas interações privadas, é cada vez mais comum que as próprias empresas, especialmente as de grande porte, exijam um programa de compliance estruturado de seus fornecedores, prestadores de serviços e clientes como requisito para se estabelecer uma relação comercial.

A avaliação da existência e efetividade da área de Compliance ocorre por meio da Due Diligence, também conhecida como DD ou DDI. Além de pesquisas detalhadas sobre o histórico e a conduta da empresa, são enviados questionários com perguntas visam averiguar se o terceiro possui uma área de Compliance com políticas de prevenção à corrupção e à lavagem de dinheiro, código de ética e conduta, canal de denúncias, entre outros processos. Essa prática é uma resposta proativa ao aumento das demandas por transparência e responsabilidade nos negócios, buscando não apenas cumprir exigências legais, mas também demonstrar um compromisso ético com a integridade corporativa.

Embora o foco e a genuína preocupação dos programas de Compliance continuem sendo o combate à corrupção e a prevenção à lavagem de dinheiro, as empresas que possuem um programa de Compliance estruturado e efetivo reduzem significativamente as possibilidades de se envolverem com terceiros inidôneos, consequentemente reduzindo o risco de exposição a problemas de Integridade. Por este motivo, empresas de diversas áreas têm direcionado investimentos neles.

No setor de saúde as preocupações são ainda mais acentuadas, dada a sensibilidade dos produtos fabricados, , distribuídos, receitados pelos médicos e comercializados. O impacto do ramo de saúde torna crucial a implementação de processos estruturados de Compliance, não apenas para cumprir requisitos regulatórios, mas também para garantir a segurança dos pacientes e partes interessadas.

A série “Império da Dor”, baseada em fatos reais, retrata a história do medicamento OxyContin, um analgésico que prometia aliviar a dor e proporcionar prazer, fabricado pela indústria farmacêutica Purdue Pharma, que desencadeou uma epidemia de vício. A narrativa aborda várias questões antiéticas, começando pelo desenvolvimento do medicamento. Após ser testado em animais, mesmo diante de resultados desfavoráveis, a pesquisa foi adiante, pois nenhum animal havia morrido. A indústria justificou a continuidade com a alegação de baixos riscos de efeitos prejudiciais, alegando também que apenas 1% dos pacientes corriam o risco de desenvolver dependência, uma afirmação que não era real.

Um investimento considerável foi destinado à fabricação do medicamento, e, alegando estar prestes a falir caso não conseguissem comercializá-lo prontamente, a pressão para obter a aprovação do órgão regulador foi intensificada. Após reprovações repetidas, surgiu a ideia de explorar outros métodos. Inicialmente, tentaram intimidar o funcionário público responsável pela aprovação, o que não funcionou. Diante disso, foram buscadas alternativas, como aparentar ser uma empresa totalmente ética formalizando e registrando documentos e protocolos que eram frequentemente submetidos à aprovação. Além disso, houve tentativas de se aproximar do funcionário público trazendo-o para perto e apresentando a equipe. Essas estratégias visavam não apenas obter a aprovação regulatória, mas também criar uma imagem de transparência e integridade.

Entre reprovações e alinhamentos constantes, com o medicamento ainda em risco, e em razão da relação que se estabeleceu, ele foi aprovado e amplamente divulgado.

A partir desse ponto, a série retrata uma nova fase, envolvendo representantes comerciais e os consultórios médicos. Com comissões elevadas, carros de luxo e bônus atrativos, muitos representantes comerciais eram incentivados a persuadir os médicos não apenas a prescreverem o medicamento ao invés de outros, mas também a aumentar a dosagem, uma vez que quanto maior a dosagem, maior era a comissão.

Desse modo, por meio de refeições, viagens e presentes, esses profissionais da saúde eram subornados para prescrever o medicamento ao maior número de pacientes possível. O resultado foi uma população cada vez mais dependente e uma indústria farmacêutica cada vez mais bilionária. A série destaca de maneira contundente os perigos e as consequências éticas de práticas comerciais que colocam o lucro acima da saúde e do bem-estar dos pacientes.

Embora tenha causado danos irreparáveis à reputação da empresa e de seus proprietários, não houve responsabilização criminal, uma lacuna que a série aborda ao retratar a agonia da procuradoria federal dos Estados Unidos ao enfrentar dificuldades para embasar um processo judicial. No desfecho, a empresa concordou em pagar uma indenização bilionária em troca de imunidade processual.

Esse escândalo envolve diversas questões de Compliance que devem ser analisadas no dia a dia do profissional da área. A série não menciona a área de Compliance da indústria, mas muitos dos processos de responsabilidade dessa área são observados. Aspectos como o relacionamento entre os colaboradores da empresa e os profissionais de saúde, o envolvimento com órgãos públicos e a importância de estabelecer um canal de comunicação com os colaboradores que estão na linha de frente das relações comerciais, permitindo a identificação de riscos.

Embora não seja possível afirmar que a área de Compliance teria evitado completamente essa epidemia, é fundamental estabelecer processos que possam prevenir, detectar e responder a qualquer ato que viole a ética e a integridade. A série ressalta a importância crítica do Compliance na proteção não apenas da reputação das empresas, mas também na promoção de práticas éticas e na prevenção de crises que possam surgir de violações éticas e legais.

Lays Pereira Fernandes da Silva é advogada, especialista na área de Compliance

 

* A opinião manifestada é de responsabilidade da autora e não é, necessariamente, a opinião do IES

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Rafael Gonçalves Assunção
16 de novembro de 2023 17:45

Parabéns pelo Artigo

Sergio
16 de novembro de 2023 20:27

Para nosso melhor aprofundamento, poderia por gentileza acrescentar a bibliografia e referências utilizadas na elaboração do competente artigo?

Diego Scorsato
16 de novembro de 2023 23:25

Ótima análise e explicação sobre a importância do Compliance na área da saúde e empresas.

Parabéns pelo artigo!

Regiane Barros
8 de janeiro de 2024 19:36

Excelente artigo! Parabéns!