Por Milva Pagano
As operadoras acumulam um rombo operacional de R$ 11,5 bilhões. Um número que está em movimento crescente, com forte impacto das perdas por fraudes. A crise afeta usuários e stakeholders do setor, uma vez que problemas financeiros em escala causam dificuldades na oferta de serviços. O enfrentamento da questão, que é sistêmica, perpassa pela orientação de profissionais e pacientes, que também devem entender seus deveres, combater más condutas e, assim, evitar aliciamentos.
Citando alguns desses atos ofensores do mercado, há relatos de pedidos de exames de clínicas e médicos que chegam a uma lista de até 60 tipos, antes mesmo da primeira consulta. E não temos razão em ganhar com pedidos de exames em excesso, sem justificativas médicas, diga-se de passagem. Temos, sim, preocupação em oferecer qualidade para evitar desperdícios, pois também perdemos com essa situação. E somos um elo fundamental de entrada do usuário na trajetória de cuidado, fazendo dessas atitudes fraudulentas um desserviço.
Como uma grande ação orquestrada, também se encontra profissionais sugerindo que pacientes forneçam login e senha do plano para que seja feito o reembolso assistido, ou seja, o beneficiário recebe como promessa a facilitação do processo de pedido de reembolso. É inadmissível que se aja dessa forma antiética. Parece óbvio. Mas é preciso mobilização de toda a cadeia e de empresas contratantes em prol do sistema privado, ator importante do sistema de saúde brasileiro. O setor suplementar atende 50 milhões de brasileiros.
Chegamos em uma questão crucial dado o relato acima de compartilhamento de dados particulares online: a ética digital. Por isso, a Abramed vem atuando sobre o tema para orientação de seus associados e toda sociedade por meios de comunicação. O nosso Comitê de Proteção de Dados, liderado por Rogéria Leoni Cruz, diretora jurídica do Albert Einstein, tem esse papel central. Esses três pilares são cruciais na construção de uma cultura empresarial pautada em boas práticas.
Rogéria defende brilhantemente que é preciso atuar para manter os princípios norteadores do uso responsável do ambiente online, conservando a dignidade, segurança e privacidade no ambiente digital. Além de coibir práticas que infrinjam a lei e os bons costumes. Ela destaca, inclusive, o acontecimento das fake news, com lei em tramitação. Na inexistência de bom senso, violações digitais de quaisquer naturezas já podem levar organizações a multas elevadas.
Vale destacar que decisões judiciais tentam frear prática considerada fraude. Os planos de saúde têm conseguido na Justiça o direito de negar o pagamento de reembolsos de consultas médicas, exames e outros procedimentos feitos por clínicas e laboratórios que usam login e senha dos pacientes para solicitar ressarcimentos à operadoras. Indicamos fortemente o não fornecimento de nome, CPF, endereço, número de carteirinha ou dados bancários a ninguém, o que pode acarretar uso de forma indevida.
A questão deve ser regulada de forma urgente, para além da Lei Geral de Proteção de Dados. Enquanto isso, a Lei 9.656/98 dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde de forma ampla e específica, mas deve sofrer alterações para atender às problemáticas atuais. Em um contexto de transformações onde a relação paciente-plano-profissional é cada vez mais centralizada em mecanismos online, discutimos incansavelmente o combate a ações criminosas junto às três esferas de poder.
Entendemos, como Associação, que estamos sendo assistidos pelo judiciário por meio de jurisprudência, uma vez que as leis e regulações atuais não dão conta dos novos cenários que se instalam. Recentemente, a juíza da 4ª vara Cível de São Paulo (SP), determinou a proibição de pedido de login e senha de pacientes por parte de clínicas e laboratórios.
A magistrada ainda estabeleceu que as unidades de Saúde se abstenham de realizar pedidos de reembolso em nome dos usuários. “Estabelecimentos criaram verdadeira arquitetura para burlar sistema de reembolso e daquilo que está autorizado a ser reembolsado nos contratos”. A pena prevista foi de R$ 50 mil por cada descumprimento e as operadoras estão autorizadas a dar a negativa de reembolso de despesas apresentadas quando constatada qualquer irregularidade.
Chamo, neste momento, para essa outra modalidade de fraude muito comum, o reembolso sem desembolso, que é um crime. É uma ação ilegal e sujeita a consequências sancionatórias, tanto em esfera civil como criminal. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendeu, por unanimidade, que “O direito ao reembolso depende por pressuposto lógico que o beneficiário tenha efetivamente desembolsado previamente os valores”.
A melhor forma de driblar o problema a nível institucional é informar, capacitar e combater profissionais, estelionatários digitais e, inclusive, usuários, que se beneficiam temporariamente para depois se deparar com um negócio em crise e que não os assiste plenamente.
Declaramos, finalmente, que a Abramed, conforme expressamente previsto em seu Código de Conduta, não coaduna, não concorda e não incentiva qualquer oferta de benefícios financeiros diretos e indiretos por quaisquer instituições aos profissionais de saúde, que estejam atrelados ao volume de solicitação de exames, que possam configurar situações de incentivo à solicitação desnecessária de exames e violações à ética médica.
Milva Pagano é diretora-executiva da Abramed – Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica
* A opinião manifestada é de responsabilidade do autor e não é, necessariamente, a opinião do IES